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_ 2011 _PAULO VENANCIO FILHO

Fim (?) de partida

A "pobreza" dos elementos visuais na cena beckettiana pode parecer, a princípio, pouco inspiradora para um artista plástico. Do palco árido, vazio, estéril, nada se pode retirar ou acrescentar: a espacialidade é absolutamente muda. Se é então impossível acrescentar algo ao espaço, resta acrescentar ao tempo; estender o já lentíssimo tempo beckettiano - totalmente contrário à velocidade contemporânea - ao limite máximo, isto é, fazer da duração da peça a duração da exposição: igualar uma à outra.

É esta transposição de "Fim de partida" que Tatiana Blass propõe. Neste evento mais temporal que espacial, o tempo é o verdadeiro protagonista. Tudo se passa no movimento mais próximo possível da imobilidade que ocorre ao se perguntar: o que está acontecendo, se nada acontece? 

Samuel Beckett escreveu "Fim de partida" em 1954, ainda sob efeito do desastre da Segunda Guerra Mundial. Quatro personagens estão em cena (Hamm, Clov, Nagg e Nell); o palco, Beckett descreve: "Interior sem mobília. Luz cinzenta (…) Ao lado da porta, pendurado um quadro, voltado para a parede (…) cobertos por um lençol velho, dois latões encostados um ao outro (…) coberto por um lençol velho, sentado em uma cadeira de rodas, Hamm." Os personagens estão praticamente imobilizados e assim permanecem, a fala entre eles é truncada, reticente, enviesada: "Nunca ninguém pensou de modo tão tortuoso como nós", diz Clov. Tempo e espaço se calcificam, inexoravelmente.

Na exposição, toda a ação dramática da peça, já vagarosa, é desacelerada, reduzida ao quase imperceptível derretimento e esvaimento da cera; matéria perfeita para personificar o lento desalento a narrativa, o esvair de qualquer entendimento entre os personagens. Assim, Tatiana provoca uma espécie de inversão escultórica: a regressão da escultura à matéria, a remissão ao estado informe. As esculturas, que são os atores e personagens, vão se dissolvendo sob o calor das luzes e o começo se torna o fim. Da cera à cera, do pó ao pó.

De certa maneira, a exposição propõe, nos seus termos, um fim a "Fim de partida" - aquele em que tudo derreteu, se esvaiu, se dissolveu… mas também aí, como profere o personagem Hamm, "O fim está no começo e no entanto continua-se". 


PAULO VENANCIO FILHO | 2011
texto escrito para a exposição "Fim de partida", projeto "Sala A Contemporânea",  Centro Cultural Banco do Brasil, Rio de Janeiro, janeiro de 2011. Revisão: Sonia Cardoso.
by arteninja